terça-feira, 14 de outubro de 2008

SOBROU, LEVOU





Por Luiz Carlos Zanoni, autor da coluna semanal - Carta de Vinhos - no jornal O Estado do Paraná e colaborador da Revista Gula.



A situação é comum, com certeza você já passou por ela. No restaurante, ao fim da refeição, paga a conta, resta ainda uma respeitável porção de vinho na garrafa pedida. O cliente está sozinho, ou sua companhia é moderadíssima no copo. O que fazer? A maioria não fará nada. Talvez por timidez, talvez por uma falsa idéia das regras de etiqueta, simplesmente descartará a garrafa, e o vinho será festivamente consumido pelo pessoal da casa, ou irá enriquecer os molhos da cozinha. Curioso que, em relação à comida, muda o comportamento. Nas cantinas italianas conhecidas pelas generosas porções, ou em churrascarias que servem à la carte, ninguém se envergonha de sair com a quentinha numa sacola. Já o vinho fica.

Pedir vinho no restaurante é hábito que só recentemente se generalizou por aqui. Cervejas, sucos e refrigerantes eram, não faz muito, os campeões de audiência. O cliente ainda se sente inibido tanto na hora de levar vinho ao restaurante como do restaurante. Mas há também quem recuse a garrafa por achar desconfortável transportá-la e temer vazamentos, inevitáveis se a rolha for mal recolocada. Os restaurantes poderiam ajudar, oferecendo uma embalagem segura.

A questão, aparentemente tão simples, virou matéria de lei nos Estados Unidos. Restaurantes de Nova Iorque, Massachusetts e Kentucky, por exemplo, são obrigados a fornecer a embalagem, lacrá-la e emitir um recibo detalhando data, hora e a exata quantidade que sobrou. O motorista provará, assim, que não bebia ao volante, prática severamente punida e da qual pode ser acusado, bastando que, numa barreira qualquer, a polícia dê com uma garrafa pela metade no carro.

Essa exceção aberta ao vinho do restaurante foi considerada o mal menor pelos norte-americanos. O consumidor de lá não abre mão do que pagou. Proibido de levar, bebia tudo, transformando-se depois, na volta para casa, numa ameaça motorizada. A queda no número de acidentes demonstrou que o vinho viaja melhor na garrafa.

As alternativas para evitar sobras não atraem. A meia-garrafa seria uma delas, mas as poucas disponíveis custam, proporcionalmente, mais caro. O formato é antieconômico para as vinícolas. Muitas sequer o utilizam. Pedir em taças também não agrada. Na maioria das vezes a bebida chega oxidada, com sabor alterado. O jeito é mesmo topar a garrafa inteira, mas sem forçar a barra, respeitando os próprios limites. Ninguém é obrigado a consumir tudo. Levar o vinho que restou faz parte dos costumes de todos os países onde a bebida é uma tradição secular – um direito pelo qual você pagou. Procure exercê-lo de cabeça erguida. Sem constrangimentos nem cerimônias.

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