terça-feira, 30 de dezembro de 2008

UM BRINDE A TODOS!



É Ano Novo!!! Momento de brindar com Champagne ou Espumante. Para ilustrar, segue a coluna de Luiz Carlos Zanoni publicada esta semana no Jornal O Estado do Paraná.

Sim, há uma diferença


Alguns são charmat, outros champenoise. As duas palavras costumam freqüentar – ou uma, ou outra – os rótulos de espumantes. Elas designam os dois diferentes métodos de elaboração desses vinhos, o champenoise, artesanal, geralmente em nível superior de qualidade, e o charmat, com caráter industrial, acessível no preço. Ambos têm a ver com o componente que diferencia os espumantes de todos os demais vinhos, as deliciosas bolhinhas. E é útil saber distingui-los, sobretudo agora, quando, turbinado pelas festas de fim de ano, o consumo atinge seu pico mais elevado.

A elaboração dos espumantes se inicia, numa primeira etapa, com a mistura de vinhos tranqüilos, não efervescentes, de diferentes safras e castas viníferas – embora, no caso de colheitas excepcionais, alguns produtores utilizem exclusivamente as uvas do ano, lançando os chamados millésimes, com o rótulo datado. As vinícolas costumam reservar uma parcela dos bons caldos de cada safra para uso em anos subseqüentes, assegurando uma qualidade homogênea às marcas. As bolhas surgem após a mescla, numa segunda fase, com a adição ao vinho já estabilizado do açúcar e das leveduras que produzirão nova fermentação e a conseqüente liberação de gás carbônico.

Na região francesa de Champagne, terra de origem dos espumantes, essa segunda fermentação é, obrigatoriamente, feita na própria garrafa, que, junto com o vinho base, recebe a pequena porção de açúcar e leveduras, a chamada prise de mousse. O gás carbônico resultante do processo ficará, então, nela aprisionado, assim como os resíduos das leveduras, que devem posteriormente ser retirados para não turvarem a bebida.

O descarte desses resíduos é o xis da questão. Suspensas nos orifícios de painéis de madeira, as garrafas passam pela remuage, a pequena torção manual aplicada todo o dia, ao longo de várias semanas, por um especialista, o remueur, com o objetivo de fazer com que os depósitos se acumulem no gargalo. Eles serão, depois, excluídos com o auxílio de uma máquina, que congela somente o liquido contido no gargalo. Retira-se a rolha provisória e a pressão interna ejeta esse anel de gelo com os resíduos. Algumas empresas simplificaram a remuage, empregando máquinas que fazem a torção dos painéis com as garrafas em bloco, mecanicamente. As grandes casas, entretanto, não dispensam o toque do remueur.


Dá-se a esse método o nome de champenoise, uma referência à região que o criou. É mais caro, mas com um resultado melhor, pois o contato direto e prolongado com as leveduras atribui à bebida fragrâncias e sabores mais intensos. Tais espumantes trazem no rótulo a indicação de que foram feitos pelo método tradicional, clássico ou champenoise. Além da região de Champagne, também a Espanha o tornou obrigatório na produção de suas cavas.

O outro sistema é o charmat, mais simples e econômico, já que a segunda fermentação se dá em grandes cubas de inox, dispensando a remuage. O vinho, gaseificado e livre de resíduos, vai da cuba direto para a garrafa. Quando o rótulo não traz nenhuma indicação, fique certo de que o usado foi esse. Mas, atenção, há espumantes feitos assim que alcançam ótimo padrão, igualando-se aos outros. As vinícolas da Serra Gaúcha usam os dois métodos.

sábado, 27 de dezembro de 2008

O QUEIJO DA SERRA DA ESTRELA

Foto Gladstone Campos


A Serra da Estrela, situada bem na região central de Portugal, é famosa por seu queijo de pasta mole, amanteigado, produzido com leite cru de ovelhas, com aroma muito característico e forte - tão forte que comumente impregna toda a geladeira e a cozinha. Certa vez, uma amiga trouxe de Portugal dois queijos escondidos na mala. Isto não é permitido pela nossa vigilância sanitária, mas todos os apreciadores o fazem, inclusive eu. Ela chegou de viagem tarde da noite , deixando-os na geladeira. No dia seguinte, enquanto dormia, sua empregada que normalmente não jogava nada fora, teve a iniciativa de descartar aqueles queijos pois, assustada com o odor, deduziu que estavam estragados. Não sei se ela foi demitida, mas sei que nós, os amigos, não pudemos apreciar tal maravilha.

Nesta viagem a Portugal, tivemos a oportunidade de visitar a Queijaria Casa Matias , que fica em Seia, uma cidadezinha na região da Serra da Estrela. A queijaria pertence à família Matias há bastante tempo, e hoje é administrada por José Matias, engenheiro agrônomo, e sua irmã Rosa, que representam a quarta geração da família no negócio. O queijo deles de um quilo tem o selo DOP, Denominação de Origem Protegida. Produzem-no também nos tamanhos de 500 e 250 gramas.

Segundo José Matias, embora exportem para Estados Unidos, Noruega e outros países, ainda não conseguiram liberação da nossa vigilância sanitária para exportar para o Brasil. Ele nos contou todo o processo de sua produção. Como fomos à tarde, presenciamos apenas a lavagem dos queijos. Todo o restante da elaboração é feita no período da manhã.

José Matias


José Matias possui um rebanho de 3000 ovelhas, que se alimentam de pastagem natural. São de uma raça autóctone da Serra da Estrela, chamada Bordaleira, antigamente criada apenas para extração da lã. Para atender sua necessidade diária de 2500 litros de leite, ainda compra leite dos pequenos produtores. Ele dá toda orientação e suporte técnico para que estes camponeses possam vender o leite nas condições ideais de qualidade e higiene. Antigamente, todos produziam seu queijo. Hoje com as novas leis sanitárias da Comunidade Européias, fica inviável para os pequenos entrarem no mercado. A saída é vender o leite “in natura” aos produtores com estrutura mais adequada.


Quando se pergunta sobre pequenos produtores, as respostas são sempre evasivas. Dizem que não conhecem, não querem falar no assunto. Dá para perceber que existem, mas não querem aparecer.

A época de maior produção de leite é nos meses de outubro e novembro. Quando há seca, como aconteceu este ano e o pasto sofreu, as ovelhas produzem menos leite, mas mais concentrado em proteínas e gorduras, o que deixa o queijo melhor. A produção vai até o mês de junho.

Segundo José Matias nos contou “todo o processo de produção é artesanal, tem uma tradição e uma cultura. As ovelhas foram trazidas à Península Ibérica pelos romanos. Os rebanhos se aclimataram muito bem, fornecendo desde então, além do leite, lã e carne. A história do Queijo da Serra da Estrela nasce aí, nesse passado distante. A forma de fazer o queijo não mudou. Utiliza-se apenas três ingredientes, o leite das ovelhas, sal e flor de cardo, uma planta que contém a enzima chamada de cardozina, que faz o leite passar do estado líquido para o sólido. Produz a coagulação. Não há nenhum produto químico. A concentração de gordura no queijo é de 45 a 60%. Não há pasteurização. Cumprimos todas as normas sanitárias impostadas pela Comunidade Européia, as normas ISO. As normas impõem uma cura mínima de 60 dias. O Serra da Estrela é um produto natural, saudável, que contém lactobacilos naturais, vitaminas, sais minerais, livre de aditivos químicos. Um produto são”.

Flor de Cardo seca

Para produzir um queijo de um quilo, usa cerca de cinco litros de leite. Sua produção diária é de cerca de 500 queijos. O leite ao chegar passa por um processo de análise bacteriológica, e em seguida é armazenado em uma cuba com temperatura de 4 graus, onde é estabilizado por um período de cerca de 10 horas. Nesta temperatura mantêm-se as qualidades do leite e evita-se a proliferação bacteriana. A matéria prima é então destinada à outra cuba, com temperatura de 30-32 graus onde se adicionam o sal e o cardo e ocorre a coagulação após cerca de 45 a 60 minutos, o leite passando do estado líquido para o sólido. A massa resultante é submetida à maceração manual, feita por mulheres, sendo então colocada nos moldes, e submetida depois a uma prensagem, por um equipamento pneumático. No passado, usavam-se pedras colocadas sobre a massa. Após a prensagem, o queijo passa à sala de fermentação, com temperatura entre 7 e 9 graus e umidade de 97%. O queijo ficará nesta sala por 20 dias, completando sua fermentação láctea. Nessa fase, os microorganismos que atuam na fermentação produzem uma substancia com aparência viscosa na superfície do queijo, a Reima, retirada por lavagem e escovação ao fim dos primeiros 10 dias. O queijo é virado todos os dias para que a maturação aconteça por igual. Há, depois, uma segunda câmara de maturação, onde o queijo permanecerá por pelo menos 60 dias, completando o processo de maturação. Nessa sala a temperatura é mais elevada, e o espaço entre os queijos maior, permitindo uma boa ventilação. Forma-se, aí, a crosta externa nas peças, conservando-se a cremosidade da parte interna. A casca do queijo, a propósito, é absolutamente comestível, é queijo, sem adição de qualquer produto.


Cuba de estabilização


Flor de Cardo


Sala de fermentação

Queijos sendo lavados

O lacto-soro, um subproduto da coalhada, é usado para produzir o requeijão, um queijo branco, cremoso, mais leve, riquíssimo em proteínas e magro em gorduras. Também é muito típico na região e à mesa combina muito bem com outra delícia regional, o doce de abóbora.

Este queijo continua sendo produzido praticamente à moda antiga, por mulheres. Era coado com panos e colocado próximo à lareira para que a temperatura chegasse aos 28-30 graus. Temperatura medida empiricamente com os dedos. Neste momento, era adicionado o sal e um macerado da flor de cardo. Após a coagulação, o queijo era trabalhado manualmente para retirada do soro, dentro dos cinchos, uns aros metálicos com orifícios. Tudo feito sobre as francelas, pranchas de madeira com inclinação para que o soro escorresse. A temperatura das mãos da queijeira é determinante nesta fase. Mãos muito quentes prejudicam o queijo.

A Comunidade Européia, e o mercado exigiram normas higiênicas e uma semi-industrialização do Queijo da Serra da Estrela. Para que exiba a Denominação de Origem Protegida (DOP), precisa seguir algumas regras:
Ser produzido nas regiões demarcadas; uso de leite cru de ovelha, cardo (Cynara Cardunculus L.) e sal; conter 45 a 60% de matéria gordurosa; amanteigado, sem olhos; maturação mínima de 60 dias; peso de 0,7 a 1,7 Kg; forma cilíndrica de 15-20 cm de diâmetro e 4-6 cm de altura.

Com todas estas exigências, os produtores individuais e verdadeiramente artesanais estão desaparecendo.

Normalmente o queijo da Serra da Estrela é servido após a refeição. Pode substituir a sobremesa e casa muito bem com vinho do Porto. Deve ser aberto pela face superior e retirado com colher. Muitos ainda preparam uma massa e a servem dentro da casca, para absorver o restante de queijo que ficou contido nela. Deste modo não provei, mas deve ser uma delicia.


Mais e melhores fotos veja no link Real Photos - Gladstone Campos

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O BOM VELHINHO




Por Luiz Carlos Zanoni, autor da coluna semanal - Carta de Vinhos - no jornal O Estado do Paraná e colaborador da Revista Gula.


Um Mouton ou Lafite do ano 1982, eis o tipo de bom velhinho que arrancaria dos enófilos um entusiasmado hôu-hôu-hôu na ceia de Natal. Pena que a chance seja zero. Ceias natalinas são uma alegre miscelânea. Tem peru com farofa, cunhado, frutas, pudins, maionese, sogra, crianças em disparada, bacalhau, saladas, o namorado da filha. Um austero e venerável tinto se arriscaria até a ser diluído em água com açúcar por uma tia desavisada.

Quais, então? In vino veritas, in media virtus. Um critério seria dividir o evento em seus vários momentos, ou andamentos como nas sonatas – allegro, andante com spirito, molto allegro – e propor tintos ou brancos médios, porém bem escolhidos.

Na entrada, nenhum problema. Serra Gaúcha ou Champagne, cava ou prosecco, todos aplaudirão espumantes. São ótimos como aperitivo. As bolhas que emergem em vagas incessantes inspiram festa e confraternização, elevam o astral. E esse é o vinho nacional que maior reconhecimento obtém. Os melhores provêm do Vale dos Vinhedos, onde clima e solo se aliam para produzi-los com muita qualidade. Entre as marcas de maior destaque figuram Chandon, Miolo, Vallontano, Aurora, Salton, Valduga e Geisse. Melhor o estilo brut, mas sempre haverá quem aprecie um demi-sec, parceiro também das sobremesas. Deixe uma garrafa no balde de gelo. Alguns continuarão fiéis ao espumante.

Abertos os presentes, feitos os brindes, passa-se à mesa, onde imperam as carnes brancas de aves, de leitão, o bacalhau, os acompanhamentos de sabores adocicados. Um tinto jovem, frutado, aromático, de médio corpo, fará virtuoso enlace. Costumam se dar bem os que vêm de regiões mais frias, com acidez um ponto acima. Espanhóis de Ribera Del Duero e Rioja, portugueses do Dão e Bairrada, chilenos de Casablanca, italianos do Norte (Toscana, Piemonte). Se a preferência for por nacionais, vale conferir os produzidos na campanha gaúcha. Os Malbecs argentinos, macios, sem arestas, amigos de todos e de tudo, são o curinga da harmonização. Mas brancos também se encaixam, até porque anda ótima a oferta de Chardonnays e Alvarinhos.

E chega, finalmente, a preferência da ala feminina, as muitas sobremesas. Hora de sacar um az matador. Qualquer que seja a escolha, colheita tardia ou passito, Sauternes ou Tokay, a popularidade do anfitrião subirá como nunca. Até há pouco tempo desconhecidos, os vinhos de sobremesa estão se tornando muito populares, com lugar cativo à mesa. São soberbos os da região francesa de Sauternes, ou de Tokay, na Hungria. Infelizmente, os preços assustam. Há, entretanto, ótimos vinhos chilenos e argentinos nesse estilo, elaborados pelo sistema de colheita tardia. O Santa Carolina Late Harvest (Chile), e o Don Nicanor Coseja Tardia (Argentina) são bons exemplos.

Ponto final? Depende. Se a turma for animada, um Porto Tawny ou um Madeira manterão acesas as idéias e o papo por essa noite feliz adentro.

Quanto ao bom velhinho, paciência. Fica para outra festa.