quarta-feira, 23 de julho de 2008
A divisão do prazer
Por Luiz Carlos Zanoni, colunista semanal do jornal O Estado do Paraná e colaborador da revista Gula
O vinho não é um prazer solitário, mas algo que se compartilha. Qual o sentido de abrir um grande Borgonha e tomá-lo dialogando com as paredes? Um momento assim exige parceiros com quem se possa trocar impressões. E, com certeza, parceiros que sejam do ramo, ou, pelo menos, interessados na matéria, com um mínimo de informação. Se alguém manda um pingue e ninguém devolve um pongue, não tem jogo.
O universo do vinho é imenso, maravilhoso e cheio de emboscadas. Perde-se a conta dos rótulos existentes. Só a Itália produz a cada ano cerca de cinco mil diferentes. Quem bebesse uma garrafa por dia levaria uns 14 anos para experimentar apenas os italianos de uma única safra. Mas a França faz mais, a Espanha quase o mesmo, o Novo Mundo está chegando perto. E tem as diferentes safras, regiões, produtores. Entre os apreciadores, garrafas e assunto não faltam.
O jeito melhor e mais seguro de viajar por esse mundo é em grupo, donde a multiplicação das confrarias. As primeiras surgiram nos países europeus, como a Chevaliers du Tastevin, fundada em 1934 na Borgonha. A vinicultura regional passava por uma fase difícil e os produtores decidiram fundá-la para a divulgação de seus vinhos. Foi um sucesso que todas as regiões vinícolas logo imitaram. A Chevaliers du Tastevin é, desde 1945, proprietária do Clos de Vougeot, um mosteiro histórico onde realiza seu jantar anual.
Em Portugal, durante a ditadura de Salazar, as confrarias de vinhos, como todas as associações, andaram proibidas. Bastou porém cair o regime para que se multiplicassem. A primeira a surgir no pós-salazarismo foi a da Bairrada, com numerosos membros em nosso país, inclusive em Curitiba.
A moda chegou no Brasil por volta de 1980, começando por São Paulo. A do Amarante ficou famosa – há 21 anos as sessões mensais se repetem sem falhas e com quorum pleno. Na capital paulista surgiu também a primeira exclusiva de mulheres, a Madame Pompadour. Só bebem champagne. Tem uma, com nome hilário, em Guaxupé (Minas). O pessoal se reúne numa cave situada no porão da loja de vinhos do Sálvio, um dos confrades. A confraria se chama Amigos do Buraco do Salvinho.
Até poucos anos havia em Curitiba duas ou três, mas hoje estão por toda parte, nos clubes, entidades, empresas. Algumas congregam dezenas de associados, como a Savig, do Clube Graciosa. Outras, como a da Ordem do Bebedouro, limitam o número de participantes.
A quantidade de membros tem a ver com a forma de aquisição dos vinhos. Na Savig os confrades pagam uma taxa mensal que reverte para a compra dos rótulos. Já na Ordem do Bebedouro cada um leva sua garrafa e todos bebem do vinho de todos. Como uma garrafa possibilita 12 doses de 60 ml, esse é o número limite de participantes. Em outra modalidade, muita usada, um ou dois confrades mais espertos vão às compras, dividindo-se depois a fatura.
Provas assim, sistemáticas e em grupo, permitem o conhecimento de muitos rótulos em pouco tempo, além do acúmulo de informações sobre variedades de uvas, regiões, vinicultores. Prática e teoria se completam.
As confrarias geralmente funcionam na informalidade, sem estatutos ou diretorias, os membros se reunindo para degustações, a troca de informação, o prazer da convivência. Algumas costumam convidar enófilos mais rodados para participarem das provas e comentar os rótulos. E como vinho e comida são inseparáveis, em muitas delas os encontros têm também o lado gastronômico, onde se buscam harmonizações entre bebida e cardápio.
Aprovou a idéia? Então vá em frente. Escolha algumas garrafas, convoque os amigos e feliz pingue-pongue.
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